sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Da sétima etapa/parte 1 - Teo até Santiago de Compostela / 15 km. (12 de Outubro de 2015)

Este foi o dia em que acordamos mais cedo. Como ficamos num Hostal privado, um pouco afastado do caminho e à beira da autoestrada, eu havia marcado com um táxi para irmos até o Albergue de Peregrinos de Teo. Mas a ansiedade e a vontade de chegar em Santiago foi tanta (a da mãe nesse caso) que nem pensei quando marquei para o horário das seis e quinze da manhã. Eu só tinha a ideia de começar a andar o mais cedo possível que esqueci de todo o resto: o dia só amanhecia por volta das oito da manhã e seria feriado de Nossa Senhora do Pilar. Ou seja. Andamos por pelo menos umas três horas até encontrar um café aberto, em Milladoiro. A sorte é que tínhamos alguma fruta, água e barra de cereais na mochila. E entusiasmo! A alegria de ser o último dia fez com que a fome não fosse tanta, rs.
Logo de início Theo ficou feliz. Ainda estava escuro, mas, de longe, ele avistou a placa: Concello de Teo. E, óbvio, tivemos que registrar!


Andamos por mais de uma hora no escuro, e, nessa hora, entreguei o medo à Santiago e fui na fé. Éramos só nós dois pelo caminho escuro. Já amanhecia quando demos o nosso primeiro "Buon Camino" do dia. Não podia mostrar para o Theo que estava apreensiva e isso fez toda a diferença, porque em nenhum momento ele titubeou de andar. Acho que se eu fosse fazer hoje essa etapa teria pensado melhor e teria saído num horário mais apropriado. No fundo foi bom para fortalecer a minha fé, mas não aconselho.
Como ele tinha dormido cedo no dia anterior, estava elétrico e andou muito bem. e ainda saiu a apagar os rabiscos que vândalos fizeram às vieiras do caminho!



Era por volta das nove da manhã quando chegamos à Milladoiro. Lá paramos num café super gostoso e nos demos ao luxo de tomar um café da manhã completo - já era o último dia e havíamos economizado bem durante o caminho. Com o corpo alimentado e a alma feliz, continuamos a nossa peregrinação.


O dia estava ótimo: choveu pouco no início e depois ficou somente ora uma garoa fina, ora um friozinho que nos animava mais a andar.



E logo avistarmos a Catedral pela primeira vez. Foi muito gratificante ver os olhos do menino brilharem e ouvir a garaglhada que ele deu logo que viu.


Em mim já pairava um misto de alegria e pesar, faltava pouco para o destino, para terminar a nossa aventura. Dali a algumas horas, e poucos quilômetros, deixaríamos nossas mochilas de lado. Dali a algumas horas, e poucos quilômetros, cumpriríamos uma peregrinação de sete dias pelo Caminho de Santiago. Dali a algumas horas, e poucos quilômetros, a saudade já iria bater fundo e a vontade de voltar já se faria presente.
E dali a pouco teríamos cumprido, eu e ele, mais uma meta nesse caminho escolhido por nós. Nesse Caminho que é ser mãe e filho.

Falta pouco agora. Muito pouco.

Da sexta etapa - O Pino (Valga) até Padrón / 10 km. (11 de Outubro de 2015)

O dia começou bom e com uma temperatura fresca e agradável para o caminhar. Dormimos bem: o albergue de Valga é um dos melhores em que já fiquei. Já havia ficado nele da vez anterior em que fiz esse caminho e tudo estava como antes. O ambiente é novo, organizado, e a hospitaleira é um caso de amor à parte: Conchi é um exemplo de como acolher peregrinos, sempre atenciosa e a ter um carinho no sorriso para cada um dos peregrinos cansados que por lá chegam. Tudo isso fez com que descansássemos o suficiente para o dia de hoje.


Ainda bem.
Porque choveu todo o caminho até Padrón. Foram 10 km duros pois não havia meio de parar para sentar e não haviam muitos sítios para comprar algo para comer ou beber. Por isso, até, não há muitas fotografias do percurso. Foi bem difícil e tivemos que fazer num ritmo relativamente forte, pois a ideia era ir até o Albergue de Peregrinos de Teo. Ou seja, iríamos andar 20 km nesse dia.
Iríamos. Não andamos. 


Chegamos em Padrón por volta do meio dia, famintos. Theo estava extremamente cansado por andar 10 km quase sem parar, com a capa de chuva - sem contar a água a molhar o rosto o tempo todo. 
Fomos almoçar e ao retomar o caminho a chuva continuou, mais forte ainda. Theo estava desanimado: o caminho com chuva não fazia sentido pra ele. Relutei um pouco, oras, faltava tão pouco e já havíamos andado mais de 100 (CEM!!!) km. Mas não adiantou e tive que me tocar de que estava a fazer o caminho com uma criança, e que já havia tido chuva o suficiente para deixar de ser piada: as poças que antes eram atrativas já estavam a ser estorvos. E não poder tirar a capa de chuva - mesmo eu a dizer lhe que parecia a capa do batman... -, e não poder tirá-la já estava a ser sacal. 
Ok, ok. Concordei e fizemos os dez km restantes, até Faramello/Teo, de táxi. 
Não foi o que a mãe planejou, mas foi o que o menino precisava. E como precisava: dormiu ainda era dia claro. E sem jantar, porque o cansaço era maior do que a fome. Mas, estava feliz: ao dia seguinte chegaríamos à casa do Apóstolo Tiago. E isso era o que importava!



"estou com fome e só tem salada???"

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Da sétima etapa/parte 2 - Teo até Santiago de Compostela / 15 km. (12 de Outubro de 2015)

E ele conseguiu. O meu menino tão pequeno em físico, tão grande em alma, chegou com alegria e satisfação estampados no rosto!!!
Foram 120 km de muita coragem. Foram sete dias de pés cansados, roupas repetidas, dores nos ombros, chão molhado, reclamações e achismos de que nunca iria chegar. Sete dias de novas descobertas, de reconhecimentos, de aprendizados, sorrisos, gargalhadas, novos amigos, frutas colhidas à beira do caminho e certezas de que já não se era mais o mesmo de quando começou.
Foi uma experiência única, verdadeira, que jamais esquecerei. Meu coração segue aquecido e a transbordar de tanto amor que aprendi com ele durante a peregrinação. 
São só dez anos e os caminhos não foram fáceis até aqui. E sei que não o serão após essa vivência. Mas, assim como esse Caminho que fizemos, terão muitos dias de muita chuva (muitos!), mas sei que também terão aqueles poucos dias de sol, e esses, ah!, esses serão tão lindos que os dias cinzas e molhados serão superados e nos fortalecerão para as próximas etapas. E que venham os Caminhos. E que nos venha a Vida! 




"Bo Camiño!"


Da quinta etapa - Briallos até O Pino (Valga) / 15 km. (10 de Outubro de 2015)


Nas últimas etapas estive sem wifi nos albergues e, aliado ao cansaço, o blog ficou abandonado. Já estamos de volta à Portugal e pretendo por em dia o mais rápido possível. 

Não disse antes, mas eu e Theo tínhamos um pequeno ritual todos os dias ao sair do Albergue: fazíamos uma oração e desejávamos Bom Caminho!
Para quem conhece o Theo pessoalmente, sabe como é importante para mim ele ter acordado cedo sem reclamar, com disposição e, ainda, desejar um Bom Caminho para mim com um sorriso no rosto. Acho que esse ritual era o que me dava forças quando as pernas queriam falhar.
Neste dia saímos do Albergue e era quase dia. 


Andamos por uns dois km até Tivó onde paramos num albergue privado para tomar um café. E quase não saímos de lá: a gata Lili sentiu que Theo estava com saudades de nossa Lila e resolveu grudar nele. E ele nela. Posso garantir que ficamos por mais de uma hora parados. Mas, valeu a pena: a felicidade dele foi tanta que reverberou até o final, onde ele ainda falava da Lili...


Essa etapa é linda. Lembro-me de já ter ficado encantada quando fiz da primeira vez, mesmo cansada e no calor. Dessa vez, com chuva e frio, estava mais linda ainda. Boa parte dela passa por uma pequena floresta, remetendo ao que poderia ser o Caminho primordial. Passamos por inúmeras nascentes e o cheiro de mato envolve de uma maneira fabulosa. Theo veio a prestar atenção em tudo e maravilhado. 


Depois da etapa do dia anterior essa até que foi tranquila: conseguimos manter o bom humor até o final, mesmo cansados e a desejar uma boa ducha de água quente e uma cama. Por sorte, fomos uns dos primeiros a chegar e pudemos nos instalar com calma. E anda, porque ainda faltam uns bons quilômetros! 




*a oração:

"A luz do Sol, passada a noite, vai clareando o dia. 
A alma acorda, com força nova, do sono que dormia. 
Tu, minha alma, dê graças pela Luz,
Pois, dentro dela, o poder de Deus reluz.
Tu, minha alma, no dia a ressurgir, 
Sê capaz de agir."

(Rudolf Steiner)



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Da quarta etapa - Pontevedra até Briallos / 18 km.


A quarta etapa começou no escuro, embora já fosse oito da manhã. Ver o sol nascer enquanto caminhávamos por Pontevedra foi especial. A cidade por si só já é linda, e o dia colaborou para que ficasse mais.




Ao final da cidade, mais um milliario da vía romana XIX.





Essa etapa de Pontevedra até Briallos foi dura. Embora tenhamos passado por sítios lindos, o calor e os 18 km de caminhada fez com que o Theo quase desistisse. Como é um lugar que quase ninguém inclui no cronograma, o Albergue estava praticamente vazio quando chegamos - só haviam duas portuguesas. Isso fez com que o quase dissidente recuperasse as forças: um Albergue lindo, novo, aconchegante, com as instalações ótimas. Theo logo se sentiu o dono do pedaço.
Confesso que também ando um pouco cansada: andar devagar, carregar uma mochila com peso a mais do meu normal e prestar uma atenção redobrada - se descuido o cara entra no rio de roupa e tudo! -, fazer tudo isso é um esforço quase iniciático para mim.
Ao final do dia éramos seis. Pudemos dormir bem, sem bagunça, e descansamos. Graças à Santiago!









quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Da terceira etapa - Cesantes até Pontevedra / 15 km.


Hoje iniciamos o terceiro dia de caminhada em Cesantes, 3 km após Redondela. Theo dormiu bem e começou animado. O início da etapa foi tranquila, até a Ponte Sampaio.



Ele titubeou ao ver que o caminho entrava por uma subida íngreme, mas, logo recuperou a confiança. Ao subir os primeiros 200 metros, Doña Conchi, uma galega simpática e adorável, parou de varrer sua casa e saiu rápido para a rua à oferecer um banco e uma garrafinha de água para ele. Nos detemos por ali,  a conversar, por alguns minutos - suficientes para saber dos vizinhos. Ao nos despedir, lágrimas vieram aos olhos, meus e dela, ao invocar a proteção de Santiago. Uma pena ter me entretido tanto no papo que esqueci de tirar uma foto. Mas, ela estará para sempre em nosso coração, por tanta cordialidade.

Andamos mais um pouco a subir e logo que entramos na trilha do Caminho Theo teve outra surpresa: um rio de águas limpas - e geladas - onde ele logo tratou de por os pés. O clima estava bom, um sol gostoso havia saído e não estava tanto frio. Ali, paramos um pouco, comemos frutas e descansamos: o dia de caminhada estava apenas a começar.

 

O calor se fez presente na parte da tarde e isso exigiu um pouco mais dele. Chegamos ao Albergue de Pontevedra e ele estava exausto - ainda fomos à procura de um supermercado para comprar o jantar e o café da manhã. Ao começo da noite achei que ele iria desistir, mas, a mágica do Caminho, novamente, se fez presente. Houve a troca de turno de hospitaleiros e chegaram os voluntários. E foi uma festa. Ele engatou no papo com Doña Pilar, uma senhora linda, e num instante se animou. E mais animado ainda ficou quando chegou Rocío - uma voluntária que todos os dias oferece reflexologia grátis aos peregrinos. Pronto. Dormiu feliz e eu também. Ao vivenciar essa experiência, Theo aprende que o Amor Fraterno é o que rege a vida do Ser Humano - o egoísmo é, e tem que continuar a ser, a exceção.



quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Da segunta etapa - Mós até Cesantes / 15 km.


Hoje a etapa foi curta. Andamos por 15 km desde Mós até Cesantes, num dia sem chuva e com pouco sol. Mas, esse conjunto de fatores não foi o suficiente para que Theo fizesse a etapa numa boa - na noite anterior não conseguimos dormir cedo. Uma coisa que logo aprendemos no caminho, é que sempre vai haver alguns que de nada entendem quando o assunto é respeito ao próximo. Há, pelo caminho, aqueles que optam fazê-lo somente com uma pequena mochila onde carrega seus pertences básicos- para o resto, pagam uma pessoa para levar de carro a mochila de um albergue à outro. Até aí, tudo bem: cada um sabe de suas limitações e onde o calo aperta. O problema está naqueles que, ao chegar no albergue, estão, como diz minha amiga Carmella, "frescos como uma alface", e tem energia o suficiente para não dormir e ainda para sair e tomar um vinho, daí chegam tarde e falam alto e, no nosso caso de ontem, acendem as luzes e depois ficam a fazer barulho até sabe-se lá que horas.
Não foi a primeira vez que me deparei com essa situação. E, para o Theo, a experiência não foi das melhores: ele já estava a dormir e acordou quando lhe acenderam as luzes na cara.
Tudo isso me faz pensar em como agimos assim no dia a dia. Em como estamos imediatistas e queremos o nosso primeiro: dane-se o outro, nem o conheço mesmo. A parte boa foi o exemplo prático do que venho a tentar ensinar para o Theo: o amor nasce do respeito ao próximo, não importa o quão distante esse próximo seja da gente. Mudar o mundo requer mudar a nós mesmos, primeiramente.

Tirando isso, fizemos uma etapa divertida. Como já havia dito, esse caminho passa pela Vía Romana XIX, e Theo pode ver de perto um miliário - uma espécie de totem de pedra onde era marcada a distância no caminho. Aula de história na fonte é a melhor!

 


Além da aula ele teve tempo pra fazer novos amigos - caninos e humanos -, seguir as tradições peregrinas e ainda descansar nas paragens de ônibus. 




E, ao final, entre mortos e feridos, conseguimos cumprir o plano de chegar em Cesantes. Aqui não tem Albergue Público, então, optei por uma pensão - um pouco mais cara, mas temos quarto e banheiro privativo, e assim podemos descansar um pouco mais. E amanhã iremos rumo à Pontevedra, numa etapa curta novamente. Que Santiago continue a nos guiar.